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terça-feira, 11 de outubro de 2005

 

O urro do Leão do Norte

Josélio Gondim
Depois de tornar-se o responsável pela Revista A Carta e firmar uma amizade com Fernando Collor, o jornalista lança livro onde conta “tudo mesmo”
O jornalista Josélio Gondim saiu cedo da Paraíba para fazer notícia Brasil afora. Homem de memória invejável e determinação quase radical, já foi preso e demitido do Ministério da Fazendo durante a ditadura militar mas retomou seu caminho e tornou-se responsável por uma das mais ousadas revistas que a Paraíba já teve - A Carta.
Amigo próximo do ex-presidente Fernando Collor de Melo, Gondim relembra momentos que antecederam o impeachment e conta como antecipou o fato, mesmo sem consultar o então presidente, na capa de A Carta.
Conhecido por suas capas provocadoras, ganhou alguns desafetos e muitos amores ao longo de seus setenta anos. Todas essas histórias, segundo ele, estão contadas em detalhes no livro "Eu nu a caminho dos elefantes", que Josélio lançará no início do próximo ano. Nesta entrevista a O NORTE, o jornalista antecipa o que está por vir e avisa: "não estou preocupado com a sociedade paraibana. Escrevi um livro para mim, onde eu conto toda minha história, doa a quem doer".
O Sr. vai lançar no início do próximo ano o livro "Eu nu a caminho dos elefantes" e, pela capa, vê-se que o Sr. está realmente nu. Isso foi uma questão de exibicionismo pra mostrar que ainda é o "bambambam"? O que foi isso?
Não tenho a pretensão de mostrar nada, apenas de contar a verdade nua e crua e nada mais para ilustrar a verdade nua e crua do que você se despir. Ou seja, se eu não estivesse contando toda a verdade eu estaria, obviamente, de cuecas.
A verdade é possível de ser contada?
A sua verdade sim. A sua, a minha, a dele, a de todos nós. Cada um tem uma verdade.
Porque só agora vai contar essa verdade? É preciso passar um tempinho de experiência pra poder contar a verdade?
É preciso, sim. Porque nem sempre as conveniências permitem que você conte determinados fatos, que você narre episódios dos quais você participou, viu, leu ou ouviu, porque iria ferir a suscetibilidade de A, B ou C. Há conveniências, indiscutivelmente, e você agora, como eu, me sinto absolutamente despido de qualquer compromisso com quem quer que seja e estou contando exatamente a verdade, inclusive sobre a minha vida pessoal.
O Sr. nasceu de uma família de classe média do interior, tinha parentesco com figuras importantes da política paraibana. O governador Pedro Gondim com destaque nisso. Como o Sr. entra no contato com o jornalismo político?
Eu saí da Paraíba, muito jovem ainda, com dezoito anos incompletos levado por um gênio que foi Assis Chateaubriand. Eu ofereci a ele um trabalho meu. Eu havia pintado diversos personagens políticos, porque a política exercia em mim um certo fascínio. Meu avô era prefeito do município de Caiçara, meu pai foi candidato a prefeito, a minha família toda tem uma descendência política. Eu é que nunca quis ser político, apesar da insistência de meu tio Pedro Gondim para que eu me filiasse ao PSD, na época para ser candidato a deputado estadual no lugar dele. Nunca aceitei porque não tenho a menor afinidade política com quem quer que seja. Ou seja, eu não serei nem seria um político nunca. Me considero um jornalista, um repórter apenas.
Eu tinha feito a campanha do ministro José Américo para governador do estado da Paraíba na companhia do meu tio, Pedro Gondim. O seu oficial de gabinete era Josmar Toscano Dantas, irmão de Josemar Toscano Dantas, que escreveu as orelhas do meu livro. Josemar começou comigo no jornalismo em 1956 quando eu lancei, pioneiramente no Brasil, a primeira revista de informação e análise editada no país - a revista Tudo - lançada no Rio de Janeiro. A partir daí ele foi tudo na vida e chegou a coroar-se hoje sendo editorialista do Correio Braziliense.
O Sr. falou com um certo desdém da política, mas, com profissional do jornalismo, o Sr. sempre se envolveu com a política.
Não só me envolvi como eu fiz política. Eu acredito que a revista "A Carta", pioneira também na Paraíba no departamento de revistas semanais, era tão independente que dava capas ao adversário número um do meu amigo pessoal, Fernando Collor, e dava capas a Lula. Ela dava capas a Antônio Mariz, que era relator do processo contra Collor. Eu apoiei muitas vezes, insinuei, fiz reportagens, matérias simpáticas a Antônio Mariz e ele era o relator do processo contra meu amigo pessoal, o presidente da República Fernando Collor de Melo.
Antes de A Carta tem muita coisa
"Tudo", em 1956. "O espelho" em São Paulo, depois relancei "O espelho" em Brasília, depois lancei a revista "O sol" aqui no Nordeste, sendo Recife a sede. Depois lancei "A carta" aqui na Paraíba.
Sobre "Tudo" houve um processo da revista Time de copiar ...
Houve um processo. Acontece que eu fiz uma coisa tão perfeita, tão semelhante à "Time" que ela nos processou. Era uma coisa muito boa, porque pra ser processado pela Time por semelhança gráfica, por desvio de clientela, ou seja, eu estava tirando leitor da Time, para mim só me orgulha, não me desmerece me nada.
Qual foi o desfecho da briga com a Time?
Nada. Ele me procurou pra fazer uma composição e queria que eu desfigurasse a capa da revista Tudo. Eu não aceitei a proposta e disse que Tudo era Tudo até o final. Tanto que eu não suportei a pressão financeira. As agências de propaganda no Brasil, naquela época, eram todas americanas, ou seja, subsidiárias. E essa gente me pressionou de tal maneira que eu fui obrigado a vender a revista Tudo para o falecido Josemar Toscano Dantas. Isso tudo que eu estou contando vocês vão ler com muito mais detalhes em meu livro que vou estar lançando no próximo ano. São oitocentas e tantas páginas contando dos meus cinco anos aos setenta.
O Sr. tem a fama de ser conhecido na Paraíba, entre os jornalistas e políticos, como uma pessoa de memória fotográfica. Repete ipsis litteris uma conversa numa cadeira de avião. Repete sem anotar, sem gravar, uma conversa numa mesa de bar com um político. Isso foi importante ao longo da sua história?
Eu acho que foi muito importante, principalmente quando eu me preparava para isso. Ou seja, se eu estou numa conversa informal eu não estou decorando nada. Mas se eu ia conversar com o ex-presidente da República ou com o atual, se eu ia conversar com uma pessoa que ia entrevistar, tudo o que ele dizia eu anotava na minha memória e reproduzia. Vocês próprios receberam copiões meus para fazer matérias de capa para A Carta quando eu realmente tinha entrevistado.
Uma vez Moreira (Martinho Moreira Franco) me perguntou, eu me lembro disso muito bem: "Mas Cargo (ele me chama de Cargo), como é que você consegue gravar tudo isso? Você não tem um gravador embutido?" - Não tem! "Mas você não fica tremendo na frente de um presidente da república?" - Não. Ele é um homem como eu. Ele faz as mesmas necessidades fisiológicas que eu faço, ele vai ao banheiro como eu vou. E porque motivo eu vou tremer na frente dele?
Eu conheci, entrevistei, conversei com onze ex-presidentes da república do meu país. Dos quais me tornei amigo pessoal particular de três que muito me orgulho - Jânio Quadros, Juscelino Kibitschek e Fernando Collor.
Da Tudo até A Carta houve o processo da ditadura militar. Como era o relacionamento das suas revistas com os militares?
Não tinha revista nessa época a não ser O Espelho que lancei já no fim da ditadura militar, ou seja, na abertura lenta e gradual do presidente Geisel, com quem eu conversei algumas vezes e uma mais demoradamente na reinauguração do Teatro Nacional em Brasília, onde ele perguntou pelo sogro da minha ex-mulher, Dr. Meira de Menezes, já falecido, de quem ele era amigo daqui da Paraíba. Sobre isso conversamos bastante presentes Sônia, minha ex-mulher, e o futuro presidente Figueiredo, com quem eu passei a conversar, convidando para ir ao coquetel de lançamento da revista da qual ele seria a matéria de capa.
Porque em São Paulo e em Brasília lhe chamam "o Leão do Norte"?
É porque realmente eles achavam que tudo o que eu fazia era muito ousado. Eu passei 22 anos debaixo de uma ditadura, demitido, com cinco filhos para criar. Eles achavam que tudo isso era um processo que eu vivi, superei, criei, montei uma agência de publicidade, atravessei todas essas fases da minha vida e que era um leão. Eu conseguia superar tudo isso. Daí o apelido.
O Sr. falou da punição da ditadura militar. De que forma concreta o Sr. foi punido e qual a razão dessa punição?
Eu era vice-presidente da frente Juscelinista em São Paulo. Eu hospedava, todas as vezes que ele ia a São Paulo, o ex-ministro Abelardo Jurema. Quando houve a revolução não precisou nada mais do que isso para motivar a minha prisão por vinte e nove dias e a minha demissão do cargo de auditor fiscal do Ministério da Fazenda, cargo do qual eu hoje sou aposentado. A Juscelino eu devia esse emprego que tenho. Não devo nada a nenhum político paraibano até a época dessa minha nomeação.
Nem a tio Pedro?
Não. Nada! Tio Pedro me ofereceu o quê? Ser candidato a deputado pelo PSD, que ele me elegeria com toda certeza. Eu não aceitei porque não tenho vocação política, repito. Gosto de política, gosto de conversar sobre política em mesa de bar, tomando um uísque, quando eu bebia, tudo bem. Mas eu ser político, agüentar gente na minha porta pedindo emprego, pedindo dinheiro pra comprar remédio, não, não conte comigo para isso que não fui e não serei nunca candidato.
Voltando às vacas magras. Esse foi o pretexto. Eu sabia que a realidade não era esta. Quem presidia o inquérito era o brigadeiro Roberto Brandini, que era tio torto de uma pessoa com quem eu tinha me envolvido sentimentalmente. Ele imaginando que eu havia enganado a sobrinha dele. Eu passei um mês com ela nos Estados Unidos (está tudo contado no meu livro). Ela disse a eles apenas que eu era desquitado, naquele tempo. Eu não disse a ela que eu era desquitado como eu nunca disse a nenhuma das mulheres com quem eu tive relacionamento. Não estou falando de casos, eu nunca tive caso com ninguém. Eu tive relacionamento amoroso, sim. Casado, sim. Durante o casamento, sim. Antes do casamento, sim. Depois do casamento, também sim.
Quantos relacionamentos o Sr. já teve?
Ah, perdi a conta.
Então o brigadeiro Brandini fez isso tudo e mandou o relatório para o presidente da república pedindo a minha demissão.
Qual era a acusação?
Nada. A acusação dele é que eu era vice-presidente da frente juscelinista, recebia Abelardo Jurema. Esse foi o motivo que ele deu.
O Sr. saiu de Brasília e veio, dentro dessa sua forma ousada de ser, lançar a revista O Sol, em Recife. Depois o Sr. comprou uma briga no Hotel Tambaú com o ex-governador Roberto Magalhães. Gostaria que o Sr. contasse um pouquinho daquela história.
Eu tentei fazer aqui o jornal O Estado da Paraíba. Iniciei a construção da sede na Epitácio Pessoal. Quando houve a revolução eu fiquei impedido de fazer porque como eu ia lançar um jornal? Então fui embora e vendi o prédio. Quando eu voltei para lançar a revista O Sol e briguei com Roberto Magalhães, que foi a sua pergunta. Não briguei com Roberto Magalhães, foi ele quem brigou comigo. No discurso que ele fez na reunião da Sudene...
Mas originado por uma matéria em que o Sr. o chamava de ranzinza...
Não. Eu não o chamava de ranzinza. Eu dizia que era uma estrela decadente. Ele não gostou da matéria. O fato de político não gostar de matéria está cheio por aí.
A Carta chegou em plena campanha quando estava havendo uma disputa de Marcondes Gadelha com Burity e a imprensa não estava revelando tudo e A Carta entrou nesse vácuo. Como foi isso? O Sr. acha que apostou certo com o lançamento da Carta naquele período?
Lógico que apostei certo. A carta foi para mim o maior projeto editorial que já realizei na minha vida. Porque A Carta, depois de um breve interregno, motivado por razões que vocês todos sabem, voltei a circular transformando-a num veículo regional, o que na Paraíba causou uma certa estranheza, porque a Paraíba estava acostumada com uma Carta só dela e passou a ter uma Carta regional. Criei depois uma Cartinha que era só paraibana para suprir essa deficiência que os leitores paraibanos reclamavam da falta de uma publicação dela na Carta.
O Sr. comprou muitas polêmicas no início da Carta.
Claro, muitas.
Quais foram?
Ah eu não me lembro assim, não. Aliás eu sempre briguei com pessoas importantes.
José Carlos da Silva
Eu não briguei com José Carlos. Foi matéria que eu publiquei dele e ele não gostou. Nós visitamos os estúdios da TV Paraíba em Campina Grande, depois fomos almoçar com José Carlos. Fomos ao escritório dele e ele começou a falar que ia meter o pau em Wilson, em Carlos Roberto de Oliveira. Foi metendo o pau. Quando eu saí com Agnaldo no meu carro eu disse: A matéria da capa está aí - "Mas eu não anotei nada!" -Não precisa, não. Está aqui tudo na cabeça. Amanhã eu lhe mando o copião.
Mandei o copião pra ele, ele escreveu a matéria quando eu recebi um telefonema de José Carlos pedindo para que não publicasse nada vezes nada da nossa conversa no seu gabinete naquele dia e naquela hora. Ligo para Agnaldo falando sobre o telefonema e ele pergunta: "E aí, vamos perder a matéria de capa?" E a capa já estava impressa. Eu disse: Não, nada disso. Você vai acrescentar só "se ele também falasse diria isso, diria aquilo..."
E assim foi feito. A matéria de capa foi publicada. Mandei por meu motorista a matéria para ele. José Carlos evidentemente não gostou. Ele estava em negociação com um grupo para comprar a TV Cabo Branco. Ficou meio estranho comigo e tirou um anúncio que ele tinha na contra-capa da revista O Sol. E foi Leonel Freire, levado por Erialdo Pereira ao La Veritá, que fez a reconciliação, publicitariamente falando, e fechamos o contrato da contra-capa voltando para O Sol. E José Carlos passou desde então a me admirar e a dizer a gregos e troianos que tinha uma admiração profunda pelo jornalismo que nós praticávamos e nós ficamos amigos até hoje. Somos amigos e continuamos amigos, amizade esta que muito me orgulha.
E matérias como aquela de capa - "O pombo de igreja". Quem arranjava esses títulos?
Quando os títulos que me sugeriam não eram melhores do que os meus, eu adotava os meus. Eu já levava a sugestão. Eu gosto muito de titular. Título é tudo. É a coisa mais importante numa matéria. Título é uma das coisas mais difíceis. Eu aprendi isso quando visitei a revista Time nos Estados Unidos.
Você, por exemplo, uma vez titulou uma capa da Carta como "Cafarnaum no TRE". O Sr. acha que isso era de grande apelo jornalístico?
Tanto era de apelo que me telefonaram perguntando "Josélio, a matéria está aí conforme sua solicitação.
Mas, o que diabo vem a ser cafarnaum?"
Cafarnaum quer dizer confusão. É uma província que existia antigamente que só tinha confusão. Lá não tinha presidente, governador, não tinha nada. Era o que estava acontecendo no TRE da Paraíba.
O Sr. furou a imprensa nacional a aventar a história de sobra de campanha no governo Collor. O governo ficou sem explicar aquele dinheiro sobrando e não admitia sobra de campanha e A Carta assumiu isso.
A Carta não só assumiu como ficou-se esperando que me mandassem a defesa de Collor no supremo tribunal onde ele explicava a história da sobra de 37 milhões de dólares e que PC Farias ficou incumbido de aplicar esse dinheiro. PC Farias não ia aplicar esse dinheiro. Collor pediu que ele o distribuísse a instituições de caridade, priorizando o estado de alagoas. No dia seguinte, o PC leu na imprensa de Brasília que Collor havia decidido não morar no Palácio da Alvorada. PC disse "vai sobrar pra mim". Então pegou o dinheiro, dividiu, criou contas fantasmas e depositou o dinheiro. Naquele tempo 37 milhões de dólares, no outro mês era 77, 74, porque a inflação era de quase 100%. Eu contratei Nil Ramos para escrever um editorial sobre esse assunto, dizendo a verdade. Que o presidente deveria chegar e dizer, abrir o jogo.
Qual era a verdade?
Sobra de campanha. Mas ele não contou. Ele omitiu, ficou calado. Porque não quis comprometer o amigo dele - PC - que terminou sendo condenado a sete anos de prisão. Pelo simples fato de ter aberto as contas fantasmas, não por ter roubado, porque PC nem funcionário público era. Nunca foi funcionário público. Nunca foi ministro.
Como o Sr conseguiu aquele furo profético "Ele renunciará"? O Sr. não ouviu diretamente do presidente, mas o Sr. tinha informações privilegiadas que o levaram a bancar esse furo que, inclusive a própria Veja teve de reconhecer e citar A Carta?
É verdade. O fato é que eu cheguei a essa conclusão porque eu passei viajando nesse tempo no Rio, Brasília e São Paulo. Nas conversas que eu tive com pessoas ligadas ao presidente, que eram meus amigos, em bares e restaurantes, eu ouvia de cada uma solução para a saída que era a renúncia. Collor era um homem muito novo e que poderia voltar. Mas ao Collor não foi dado sequer o direito de renunciar, que é um ato unilateral. Ele renunciou em cima da hora, conforme A Carta disse que ia acontecer. A previsão era realmente profética. Na época muitos foram contra o título dessa matéria dizendo que iria comprometer A Carta e me perguntavam "Você tem certeza de que ele vai renunciar?".
Não, mas vou arriscar. Assumi e mandei fazer a matéria "ele renunciará".
O Sr. acredita que ele voltará?
Não. Há dois anos ele me telefonou dizendo que ia ser candidato ao senado por Alagoas. Que as pesquisas lhe davam como senador eleito, fosse quem fosse candidato. Eu disse pra ele "presidente, eu acho que o Sr. deveria se preservar. O Sr. já tentou ser candidato a prefeito de São Paulo e não deu certo. O Sr. já foi presidente da república. Ou volta pra ser presidente ou não volta pra ser nada. Faz como Getúlio. Vai pra um exílio. Como Getúlio ficou num exílio, o Sr. fica lá em Miami, então. Só volta pra ser candidato a presidente da república."
Mas não é bem assim, a política alagoana é uma política que eu tenho muito amor, ele disse.
Nunca mais falei com ele. Quando ele resolveu ser candidato a governador eu comentei para meus amigos "fez a pior besteira da vida dele. Se ele ganhar a eleição o presidente da república será ou Lula ou Serra. Ambos vão o tratar a pão e água. Então ele vai ser um péssimo governador. E se perder, perdeu-se não só para governador de Alagoas, perdeu-se definitivamente porque encerrou a carreira política dele". E ele anunciou, há três meses, que deixava a vida pública, a carreira política.
Ele anunciou também que chegou a pensar em suicídio. O Sr., conhecendo um pouco mais de perto o ex-presidente Collor, acha que isso pode ter acontecido?
Eu acho que o temperamento dele não era para isso não. Agora, quem dá um depoimento a esse respeito muito bom, que eu estou ansioso pra ler, é o Geneton Morais Neto. Esse livro diz que ele crê no presidente Collor. Ele foi a Jô Soares, que é anticolorido assumido, e disse que, de todos os depoimentos o que lhe pareceu mais sincero foi o do ex-presidente Collor.
Onde Collor errou, já que ele tinha um projeto de poder de até vinte anos? O que deu errado, já que não chegou a passar dois anos no poder?
Na minha opinião, eu posso estar equivocado, mas Collor pecou primeiro que tudo pela imaturidade. Jânio Quadros foi eleito presidente da república aos 42 anos de idade e renunciou com sete meses. Collor foi eleito com 39 anos, rico, bonito, quer dizer, mulheres não lhe faltavam. Assume a presidência da República despreparado. Não é como José Nêumani disse, meu colega e amigo, que Collor era analfabeto. Isso é o mesmo que chamar de Lula um intelectual.
Eu disse a ele em Miami "presidente, Sr. cometeu um erro no seu governo..."
E ele não me deixava falar. Tomando wisky comigo e com o secretário de imprensa dele e eu dizendo "presidente, o Sr. só cometeu um erro". Ele dizia "não, eu cometi muitos erros" e enrolava. Chegou uma hora em que eu repeti umas dez vezes "o Sr. só cometeu um erro", ele bateu na mesa, quase que arrebentava o vidro da mesa, e perguntou "que erro foi esse. Eu estou lhe confessando que cometi muitos erros e o você está o tempo todo dizendo que eu cometi um erro só". "A sua imaturidade, presidente". "Olha, eu não vou dizer que você tem razão, mas muita gente já me disse isso". Encerrou o assunto.
Eu acho que foi o único erro de Fernando Collor. A imaturidade dele. Porque se ele tivesse aceito corromper o congresso, esse congresso que aí está, que é o mesmo de outrora, ele teria continuado na presidência como Lula está aí. Estaria o mensalão existente. Porque Lula até hoje diz "eu não sei de nada, tem que ser punido" e ele mesmo dificulta tudo?
O Sr. acha que Lula se reelege?
Eu tenho impressão que não. Do meu voto ele não se elegeu nem nunca se reelegerá.
O Sr. tem uma idade avançada, mas é apenas um jornalista. Essas opiniões de jornalista. Na sua sala em A Carta eu vi Burity dizer o seguinte "Eu queria que esses jornalistas fossem governadores. Como esses jornalistas sabem resolver tudo como jornalistas, resolveriam na condição de governador". Não fica fácil a gente avaliar, criticar governos sem ter a prática?
Você faz a pergunta a mim e eu faço a você a mesma coisa, ou seja, eu devolvo a pergunta. Você que escreve todos os dias. Eu já estou aposentado. Eu posso chegar muito bem hoje a ficar, na minha opinião, lendo jornal, tirando minhas conclusões, vendo, ouvindo e você não.
Qual é o papel da imprensa, qual é o papel do governo e onde é que eles se entrelaçam? A imprensa fica dizendo "o governo deve fazer isso". Mas é a imprensa que diz. Estou lembrando a você o que Burity falou na sua sala.
Eu não sei governar, eu nunca fui governador.
Mas como é essa relação? A imprensa ensina o governo?
O poder exerce o fascínio sobre a imprensa. A imprensa depende do poder. Todo veículo de imprensa depende do poder pra sobreviver.
O poder precisa da imprensa?
O poder não só precisa como a ela ele deve tudo. Não só o que critica como o que elogia. Ai de mim se eu tivesse ao meu lado uma pessoa que dissesse não faça isso, está errado, você vai perder tanto, faça isso, isso vai dar certo, você vai ganhar tanto. A gente não tem isso. Ninguém tem.
O Sr. chegou a indicar José Nêumani Pinto para o papel de porta-voz do presidente Fernando Collor de Melo. Porque não deu certo a convocação dele para esse cargo?
O Nêumani, não só na entrevista que concedeu a O Norte, falseou a verdade com relação a esse fato, mas fez justiça afinal de contas. Disse repetidas vezes que tinha sido meu o convite que Collor havia feito a ele para ser o porta-voz, através do Jorge Bornhausen. Ele não aceitou o convite porque o senador José Eduardo Vieira havia entrado naquela semana em Curitiba na conspiração do vale-tudo contra Collor e o banco Bamerindos entrou, naquela época, com 800 mil reais para essa campanha, a dos caras-pintadas. Quando Nêumani foi comunicar a José Eduardo Vieira, de quem ele era assessor, que ia participar da reunião das sedes do presidente da república, o José Eduardo disse que ele não podia fazer aquilo, pois ele acabara de entrar na conspiração contra Collor.
E houve uma conspiração realmente contra Collor?
Você acha que não? A pergunta não me cabe não. Se você acha que não foi conspiração contra Collor, o que é que foi? Então está havendo conspiração contra Lula.
Está havendo conspiração contra Lula?
Deve estar havendo, não é? Se houve contra Collor, imagine contra Lula.
Voltando a Nêumani. Então ele mudou de idéia. Minha filha trabalhava no gabinete dele e ele contou a minha filha dizendo "estou sem cara de enfrentar o seu pai, de receber o seu pai nem por telefone". Eu estava em São Paulo quando soube do fato. Ele foi a Jorge Bornhausen, que o convidou em nome do presidente, e recusou.
Eu fiquei mal porque indiquei, redigi um telegrama, liguei para ele, li os termos do telegrama. Ele (Collor) concordou com tudo e disse "você é um paraibano solidário". Depois Nêumani foi dizer que Collor era analfabeto. Tenha paciência.
Porque ele fez isso?
Aí pergunte a ele. Até hoje não entendo como Nêumani me deixou numa situação daquela. Porque eu era amigo pessoal do presidente. Eu indico você e depois você diz que não aceita?
Já estava combinado com Nêumani?
Claro. Nêumani pediu a mim. Nêumani ligou a mim pedindo. Não foi uma vez nem duas, não. Três, quatro vezes ligando pra minha casa. O dia todo.
Eduardo Vieira tinha negócios na Paraíba?
Que me conste, não. Não sei. Ele gostava da Paraíba porque ele velejava muito aqui. Ele gostava de barco. Quando ele veio aqui ele era secretário particular da presidência da república. Fui testemunha dele no processo contra ele. Como vou ser de Ronaldo no dia 10. Vou depor na justiça federal a favor de Ronaldo. Muita honra para mim. Não vou mentir, como não menti no depoimento de Eduardo Vieira. Vou contar apenas aquilo que eu sei.
Em relação a Ronaldo, o Sr. vai manter aquela versão de que Burity foi quem tentou matar Ronaldo?
Não vou manter aquela versão porque aquela versão não é dele nem foi minha. A minha versão foi que eu fiz uma carta a Ronaldo, quem foi portadora dessa carta foi a minha filha - Teresa Cristina Justa Gondim, que era chefe do cerimonial de Ronaldo - prevenindo-o de que Burity estava disposto a invadir o palácio e, sabendo que de lá não sairia vivo, mata-lo.
E aquele telefonema que ele deu À Carta falando com Martinho (Moreira Franco)?
Burity deu um telefonema à A Carta, contando a Martinho sobre essa história e dizendo que ia invadir o palácio. E Martinho dizendo "calma, chefe, paciência". Aí Martinho chegou ao meu escritório e contou tudo. Ele disse: "o chefe enlouqueceu". Foi quando eu disse "é a matéria de capa da próxima semana - 'Burity: vou matar Ronaldo'". Martinho disse "você está louco?". Eu não publiquei a matéria e me arrependo até hoje.
Então essa foi a primeira que o Sr. não publicou?
Foi a única que eu não publiquei. A pedido de meu amigo Martinho Moreira Franco.
Por que, na festa da Assembléia, na qual o Sr. era homenageado, ao subir na tribuna você esculhambou todo mundo e disse que ia fechar a revista?
Recebi a medalha Epitácio Pessoa e a tenho ostentada na minha casa, lá no quarto...
Não foi constrangedor, não?
Não. E eu vou lhe dizer a razão pela qual isso aconteceu. Quando eu decidi que iria aproveitar aquela tribuna, a qual eu jamais faria uso dela para nesse dia comunicar à Paraíba, aos deputados e principalmente à classe empresarial que não iria continuar. Porque, das duas, uma: ou eu me matava ou A Carta morria.
A Carta morreu ali.
Morreu, eu matei A Carta, que tinha a receber três vezes mais do que tinha a pagar. Só que o tesoureiro falou: "dinheiro a receber tem, mas só você tem como conseguir. Você tem que pegar um avião e buscar esse dinheiro." Fechei A Carta, peguei um avião e fui receber. Só levei cano de um Estado: o Piauí. E de uma prefeita, de Natal, Vilma Farias. E mais nada.
Mas no seu discurso de fechamento de A Carta, o Sr. se queixou, sobretudo, da falta de apoio do empresariado.
Exatamente. Quem era o empresariado paraibano que investia?
A sobrevivência de A Carta ficou condicionada a governos estaduais e governo federal?
Exatamente. O que eu disse é que não podia continuar fazendo jornalismo chapa branca, condicionado e dependente disso. Não é esse o jornalismo que eu aprendi a fazer.
E a saída de Collor complicou mais ainda...
Nem um pouco. Collor saiu e passei um ano e meio com A Carta, ainda. Depois é que eu fechei. Recebi verba federal, mesmo após a saída de Collor, porque A Carta não recebeu mídia por favor. Recebeu mídia técnica. O veículo é reconhecido pela mídia do governo federal. Era o único veículo do Nordeste que cobria os nove Estados nordestinos de uma só vez. Razão pela qual nós tínhamos inserções da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, da Petrobras e de outros. Conclusão: no governo Collor houve um corte na verba da Petrobras que as outras revistas (Veja e Istoé) tiveram e A Carta não teve. Eu passei um fax para ele. Este fax motivou a queda de Pedro Rodrigues.
Coincidência ou não, foi exatamente no período em que Collor assumiu que A Carta deixou de ser da Paraíba para ser do Nordeste. Foi exatamente para ter direito a essa verba?
Não digo que não porque só obtive essas inserções federais após a regionalização. Conclusão: A Carta deu um passo certo quando se regionalizou. Convenceu-se que era impossível fazer jornalismo aqui sem depender de governo. Burity passou três meses sem me pagar e eu passei três meses com A Carta fechada. Quando reabri foi com o projeto de faze-la regional. Eu disse "não vou depender só de um. Vou depender de nove governadores".
Antes disso, A Carta fez várias capas como "O Outro", "O Pombo de Igreja", "O Invertebrado", várias. São capas pessoais.
Considero isso jornalismo independente. Porque estou recebendo do governo, não posso dizer nem que o governo é feio? Sei que o pessoal na Granja Santana não gostava, mas eu falava.
Existe imprensa livre?
Não. Todas são dependentes. Existem jornalistas livres, que são raros e trabalham em empresas com muita dificuldade. Em A Carta eu nunca censurei matéria de ninguém.
Esse seu jornalismo livre lhe rendeu quantos processos?
Nenhum. Eu que processei duas pessoas. Na minha vida eu sempre briguei com cavalo grande. Briguei com Delfim Neto, por exemplo. Não vou perder meu tempo brigando com pessoas menores.
O que é que se pode esperar de bombástico nesse seu livro?
Eu acho que o que tem de inédito que ninguém fez, até hoje, é o sujeito contar suas aventuras amorosas, enquanto casado, e dando nome aos bois. Com quem esteve, quem foi, quanto tempo durou etc.
Quando será o lançamento?
No início do ano que vem. Eu já terminei o livro, está todo escrito. Vou lançar primeiro na Paraíba, depois vamos ver se será lançado em outros Estados.
Hoje se faz a seguinte analogia. Collor caiu por causa de um Fiat Elba e Lula, com toda a história de mensalão e mensalinho, está aí na presidência da República. Na sua opinião, qual a diferença dessas situações?
O problema de Collor foi de juiz de pequenas causas. E o de Lula um problema do Supremo Tribunal Federal e nem assim resolve.
O Sr. acredita que Lula não estava sabendo de nada?
Você tem alguma dúvida? Eu nunca tive. Claro que ele sabia de tudo. Tudo.
Como o Sr. vê hoje a imprensa nacional, com esse lado mais moderno da Internet?
Confesso que até hoje continuo escrevendo à mão. Não navego, não sei o que diabo é Internet, não tenho computador em casa. Essa modernidade não me atingiu até hoje. Eu acho que a imprensa evoluiu muito, tecnicamente falando, mas empobreceu muito também em termos de cultura, de jornalistas. Você antigamente tinha muitos jornalistas de valores que sequer passaram por uma Universidade. E hoje você tem aqueles que saíram da Universidade, você manda escrever uma matéria e eles escrevem absolutamente pobre, medíocre e que você, em sã consciência, não publica.
O Sr. acha que o seu livro vai chocar a sociedade paraibana?
Eu não estou preocupado com a sociedade paraibana. Eu escrevi um livro para mim, onde eu conto toda minha história, doa a quem doer. Tudo que aconteceu comigo dos cinco aos 70 anos está no livro. Até hoje, nos meus livros, nunca recebi nenhuma contestação. Quem quiser contestar que se prepare, porque eu estou documentado. O que eu afirmo, posso provar. Quem quiser duvidar que duvide.
Dessa sua vida tão atribulada, do que é que você tem mais saudade?Não poder mais vive-la hoje.

Comments:
Gostaria de contactar com TINA - Threza Cristina Justa Gondim, que após muitos anos sem contato,tenho tentado e não consigo fazê-lo.Somos amigos desde o tempo em que a família morou no Rio de Janeiro, etive uma vez em contato quando em João Pessoa, e depois não mais.
@mail:j.maurocunha@gmail.com
 
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