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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

 

A Desapropriação e o Abuso do Poder Administrativo

A Desapropriação e o Abuso do Poder Administrativo
- Rafael Francisco Marcondes de Moraes
Data de publicação: 09/05/2009

Como citar este artigo: MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. A Desapropriação e o Abuso do Poder Administrativo. Disponível em http://www.lfg.com.br. 09 de maio de 2009.

1. DESAPROPRIAÇÃO
A Administração Pública deve pautar toda sua atuação no sentido de atender os interesses que representa, quais sejam, os interesses da coletividade.
Os elementos que caracterizam o Poder Público - Soberania, Povo, Território e Finalidade - atribuem ao Estado um poder sobre todas as coisas que estejam em seu território denominado de domínio eminente, inerente à própria idéia de soberania.
Da conjugação dessas duas características estatais, surge a principal forma de intervenção pública na propriedade - a desapropriação - que consiste na transferência compulsória da propriedade de determinado bem para incorporar o patrimônio público, atendendo ao interesse público, finalidade precípua da atuação estatal.
Em atenção ao Princípio da Legalidade, que fundamenta e delimita a atuação do Estado, a Constituição Federal institui as hipóteses e requisitos necessários para que se realize a desapropriação.
Assim, conforme preceitua o inciso XXIV, do artigo 5º da Carta Magna, constituem requisitos para a desapropriação a necessidade ou utilidade pública, o interesse social e, em regra, a justa e prévia indenização.
A necessidade pública corresponde a uma situação emergencial ou inesperada, que torne imprescindível para sua solução a utilização plena, de determinado bem privado, pelo Poder Público.
A utilidade pública abrange a utilização de determinada propriedade por ser conveniente e vantajoso ao interesse coletivo.
Já o interesse social resulta da conveniência social na incorporação do bem particular ao domínio do Estado.
As três hipóteses elencadas estão inseridas na legislação pátria da seguinte forma:
A necessidade e a utilidade públicas são disciplinadas pelo Decreto-lei nº 3.365/1941, que confere o mesmo tratamento para ambas as hipóteses, dispondo em seu artigo 5º casos de "utilidade pública" como a segurança nacional, a defesa do Estado, o socorro público em caso de calamidade, a exploração e a conservação dos serviços públicos, o funcionamento dos meios de transporte coletivo, entre outros.
O interesse social é tratado na própria Constituição Federal e também pela Lei Federal nº 4.132/1962, que nos incisos de seu artigo 2º traz hipóteses como a construção de casas populares, o estabelecimento de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola, a utilização de áreas apropriadas ao desenvolvimento de atividade turísticas, havendo também hipóteses na Lei Federal nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), previstas em seu artigo 18, tais como o condicionamento da terra à sua função (abordada no artigo 184 da Lei Maior), a promoção da justa e adequada distribuição da propriedade e a obrigação de exploração racional da terra.
Na Constituição Federal são apontadas três espécies de desapropriação por interesse social, também denominadas na doutrina de "desapropriação sancionatória" ou "desapropriação-sanção":
1ª) A desapropriação para fins de urbanização, atribuída ao Poder Público Municipal, com previsão no inciso III, §4º, do artigo 182 da Carta Magna, bem como na Lei Federal nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), em seu artigo 44, no já mencionado Decreto-lei nº 3.365/1941, em seu artigo 5º, "i", e ainda na Lei Federal nº 10.257/2001, artigo 8º, que determina a cobrança de Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) de forma progressiva, por um período de cinco anos, quando não houver parcelamento, edificação ou utilização da propriedade privada, para que se imponha esta espécie de expropriação, com pagamento em títulos da dívida pública, mediante prévia aprovação pelo Senado Federal, resgatáveis no prazo de até dez anos.
2ª) A desapropriação para fins de Reforma Agrária, com competência para promoção pela União, prenunciada no artigo 184 da Constituição, que incidirá sobre bens localizados na zona rural, e que não cumpram a sua função social, com indenização a ser realizada por meio de títulos da dívida agrária.
3ª) A expropriação de glebas de terra de cultivo de plantas psicotrópicas, utilizadas para a produção de drogas, nos precisos termos do artigo 243 da Lei Maior, regulada pela Lei Federal nº 8.257/1991, na qual o expropriado não faz jus a qualquer tipo de indenização, além de se sujeitar às sanções legais.
2. ABUSO DO PODER ADMINISTRATIVO
Para o exercício de suas atividades, são conferidas à Administração Pública prerrogativas não atribuídas aos particulares, em virtude da supremacia do interesse coletivo por ela representado.
Essas prerrogativas refletem em um poder-dever do Estado, sempre sujeito a uma finalidade específica de atender o interesse público, do qual não pode se afastar sob pena de configurar abuso de poder ou ilegalidade do ato praticado.
Entende-se por abuso do poder administrativo o vício do poder, subdividido em excesso de poder e desvio de poder.
Nessa esteira, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao tratar do abuso de poder:
"Este pode ser definido, em sentido amplo, como o vício do ato administrativo que ocorre quando o agente público exorbita de suas atribuições (excesso de poder), ou pratica o ato com finalidade diversa da que decorre implícita ou explicitamente da lei (desvio de poder)" (Direito Administrativo, p.229).
Insta mencionar a existência de posição doutrinária que aloca outras espécies para o gênero abuso de poder, além do excesso de poder e do desvio de finalidade já citados: o abuso por irregular execução do ato e o silêncio administrativo.
O abuso por irregular execução do ato ocorreria, por exemplo, na atuação de agente público com abuso de autoridade, acarretando a sua responsabilidade em todas as esferas (penal, administrativa e civil), mesmo que por meio de ação regressiva estatal.
Já o silêncio administrativo retrataria uma omissão indevida do Poder Público, ao violar direitos dos administrados, com possibilidade de promoção de medida judicial, para suprimir a omissão.
3. A DESAPROPRIAÇÃO E O ABUSO DO PODER ADMINISTRATIVO
No que atine à desapropriação, o abuso do poder administrativo pode ocorrer, de forma geral, de dois modos: Em virtude da desapropriação indireta ou em razão da chamada tresdestinação.
A desapropriação indireta, também denominada de apossamento administrativo, vislumbra-se quando o Poder Público se apossa de um bem ou parte de um bem particular sem observar o devido procedimento fixado em lei, consistindo em verdadeiro esbulho possessório por parte do Estado. Este procedimento é passível de impugnação por meio de ação possessória pelo proprietário lesado.
Nesta hipótese, o Estado por vezes acaba excedendo suas atribuições legais na medida em que, mesmo que o apossamento se opere por urgência ou por descuido na realização de obra, não respeita o procedimento legal ou a delimitação da declaração expropriatória, configurando excesso de poder, que é modalidade de abuso de poder administrativo, como já exposto.
Havido por excesso de poder, pode o ato ser convalidado e seus efeitos mantidos, mediante regular indenização ao particular prejudicado, incluindo os juros compensatórios, devidos a contar da ocupação do bem.
Quanto à tresdestinação, por alguns chamada de "tredestinação", consiste no desvio da destinação do bem, e restará evidenciada pelo não-uso do bem expropriado ou ainda pela destinação distinta daquela consignada no ato expropriatório.
Assim, a tresdestinação, quando sua finalidade se afastar do interesse coletivo e das hipóteses de necessidade e utilidade públicas, corresponderá a um abuso do poder administrativo na espécie desvio de finalidade, passível de anulação pelo particular proprietário originário, vez que viciado o ato pela ilegalidade.
Cumpre destacar o pertinente instituto da retrocessão, afeto à finalidade pública em sede de desapropriação, cuja previsão legal encontra-se no artigo 519 do Código Civil, e assim conceituado por Odete Medauar:
"Retrocessão significa o retorno do bem expropriado ao patrimônio do antigo dono, quando não lhe foi dado o destino previsto. A retrocessão fundamenta-se na ausência do vínculo entre o sacrifício do direito do particular e a utilização concreta do bem; as justificativas para a desapropriação não se concretizaram. Pode ser vista, assim, como sanção em garantia do direito de propriedade, pois o proprietário tem direito de não ser privado do seu bem senão para atendimento do interesse público efetivamente ocorrido" (Direito Administrativo Moderno, p. 361).
Dessa forma, o abuso por desvio de poder no âmbito expropriatório estará configurado quando a finalidade se apresentar contrária ao interesse público, como no caso de favoritismo ou perseguição a pessoas determinadas, ou ainda pela inércia do poder público quando não utilizar o bem expropriado para qualquer fim no prazo estabelecido na lei.
Esta última hipótese gera divergência na doutrina, pois a legislação pátria por vezes não estipula especificamente prazos para a utilização do bem, predominando a posição que sustenta as seguintes situações:
Para os casos de desapropriação por interesse social, o prazo para efetivação e início de aproveitamento do bem seria de dois anos, com fulcro no artigo 3º da já mencionada Lei Federal nº 4.132/1962.
Na hipótese de desapropriação para reforma agrária, o prazo para que o ente expropriante destine o bem a esse fim seria de três anos, contados do registro do título do domínio, a teor do artigo 16 da Lei Federal nº 8.629/1993, que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária.
No caso da desapropriação para fins de urbanização, entende-se que o prazo legal seria de cinco anos, contados da incorporação do bem ao patrimônio público, aplicando o artigo 52, inciso II, da Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que prevê a configuração de improbidade administrativa ao prefeito municipal inerte durante esse período.
Inexistindo prazo expresso estipulado legalmente, tem-se utilizado, por analogia, do prazo de cinco anos do artigo 10 do supramencionado Decreto-lei nº 3.365/1941, designado para a eficácia da declaração da utilidade pública.
Embora referida analogia não venha sendo admitida na jurisprudência, a doutrina sustenta sua aplicação como forma de controlar a atuação governamental e impedir arbitrariedades pelo Poder Público.
Daí porque leciona Odete Medauar:
"Aceitar a não utilização do bem, sem conseqüência alguma, sem que o expropriado possa agir perante o Judiciário, é o mesmo que admitir a desapropriação sem fundamento, o que seria inconstitucional. A inércia da Administração revela a desnecessidade da expropriação realizada; se não ensejar retrocessão, estimula a desapropriação por razões subjetivas, por motivos de vingança ou para beneficiar alguém. Melhor seria a consideração de prazo razoável para o aproveitamento do bem" (Direito Administrativo Moderno, p. 362).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGERAMI, Alberto e PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direito Administrativo Sistematizado. São Paulo: Método, 2008.
COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003.
ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo - Coleção Sinopses Jurídicas. Saraiva, 2007.
SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005.

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